A
atuação de muitos ocupantes de cargos políticos no Brasil frequentemente se
desvia das atribuições e obrigações funcionais previstas nos ordenamentos
jurídicos e normas regimentais correspondentes, transformando-se em um cenário
de desordem, oportunismo e irresponsabilidade. Esse fenômeno pode ser explicado
por uma combinação de fatores estruturais, culturais e institucionais que
perpetuam a impunidade e minam a responsabilização (accountability)
pública.
Em
primeiro lugar, a fragilidade dos mecanismos de fiscalização e punição permite
que agentes políticos ajam com impunidade, mesmo quando violam normas éticas e
legais. Muitas vezes, as instâncias de fiscalização e de controle — como Tribunais
de Justiça, Tribunais de Contas, Ministérios Públicos e até o próprio
Legislativo — estão sujeitas a influências políticas, corporativismo ou
morosidade processual, o que dificulta a aplicação efetiva de sanções. Além
disso, a legislação, por vezes, oferece brechas que permitem a manipulação de
processos disciplinares, transformando punições em meras formalidades sem
consequências reais.
Não
se pode ignorar a cultura política arraigada em práticas clientelistas e na
priorização de interesses particulares em detrimento do bem comum. Muitos
políticos não veem seus cargos como uma função pública, mas como um meio de
acumular poder, benefícios pessoais ou vantagens para seus grupos de apoio.
Essa distorção é reforçada por um sistema eleitoral e partidário que, em muitos
casos, premia a lealdade ao grupo em vez da competência e da integridade.
A
desaprovação pública, embora exista, nem sempre se traduz em consequências
concretas. A população, muitas vezes desinformada ou desmobilizada, não
consegue exercer pressão suficiente para mudar esse quadro. Além disso, a
polarização política e a manipulação midiática frequentemente desviam o foco
das reais irregularidades, transformando escândalos em espetáculos que se
esgotam sem responsabilização efetiva.
É
assim que a falta de transparência, o acesso limitado a informações detalhadas
sobre a atuação dos agentes públicos e as notícias falsas dificultam e mascaram
o controle social. Nesse contexto, sem um real fortalecimento institucional e
sem uma conscientização humana que priorize a verdade, a ética, a eficiência e
a punição rigorosa dos infratores, o cenário continua marcado por arroubos
autoritários, desvios de conduta e a perpetuação do caos como estratégia
política.
No
bojo dessa realidade, a degradação do cenário político não se limita à
ineficiência e à impunidade. Essa degradação é agravada pelo surgimento e pela
consolidação de aventureiros políticos, cujos comportamentos absurdos e
antiéticos são não apenas tolerados, mas celebrados como símbolos de
"luta" ou "revolução", sendo utilizados como atributos
valorosos e de comunicação política estratégica.
Esses
personagens, que personificam o pior da índole humana — o oportunismo, a
demagogia, a agressividade e o desprezo pelas instituições —, contrastam
radicalmente com o discurso do suposto "homem de bem", mas
paradoxalmente conquistam admiração e apoio popular. O resultado é a ascensão
exponencial de figuras violentas e a completa inversão de valores. A pura contradição
entre o discurso moralista e a adoração de figuras antiéticas.
Em
parte, esse fenômeno é fruto de uma crise de representação política, na qual a
descrença generalizada nas lideranças tradicionais abre espaço para políticos
novatos (outsiders) que se vendem como
"antissistema", mesmo quando reproduzem (ou intensificam) os mesmos
vícios que dizem combater. A retórica inflamada, o culto à personalidade e a
espetacularização da política criam uma dinâmica em que o desprezível se torna
sinônimo de autenticidade, enquanto a seriedade e o equilíbrio são vistos como
fraqueza ou "elitismo".
Além
disso, a polarização extrema e a viralização de conteúdos nas redes sociais
favorecem aqueles que dominam a arte do escândalo. Personagens que deveriam ser
rejeitados e punidos por suas atitudes absurdas ou criminosas ganham
notoriedade justamente porque chocam, geram engajamento e alimentam a dinâmica
de engajamento digital (seguidores, curtidas e compartilhamentos).
Nesse ambiente, a ética e o compromisso são substituídos por um teatro político
degradante, e a racionalidade, pelo tribalismo ideológico. O que importa não é
o caráter ou a competência, mas a capacidade de mobilizar ódios e paixões.
Cabe
destacar ainda a manipulação do imaginário popular por meio de narrativas
simplistas que transformam falhas morais em "coragem" e
irresponsabilidade em "ousadia". Quando um político é flagrado
mentindo, agredindo adversários ou defendendo absurdos, seus apoiadores não o
veem como um delinquente, mas como um "herói" que "diz o que
pensa" e "não tem medo de quebrar regras". Essa romantização da
transgressão inverte valores básicos da diplomacia, das relações humanas e da
convivência social, premiando justamente aqueles que mais a ameaçam.
O
resultado é um cenário em que a mediocridade se torna virtude, o caos vira
estratégia, e a figura pública mais execrável pode ser elevada à condição de ídolo.
Enquanto a sociedade não resgatar a capacidade de distinguir entre o charlatão
e o estadista, entre o demagogo e o líder ético, continuaremos a ver a política
como um espetáculo de horrores — onde os piores instintos são recompensados, e
o verdadeiro "homem de bem" é apenas um personagem retórico, cada vez
mais raro e menos influente.
Para
que se vislumbre um cenário de maior integridade na esfera pública, são
urgentes reformas estruturais e legais, além de uma transformação cultural que
valorize o serviço público e exija, de forma intransigente, o cumprimento das
obrigações funcionais dos servidores públicos e dos agentes políticos no
exercício de seus cargos são urgentes
Fazer
cumprir o óbvio - o simples cumprimento das obrigações funcionais - demanda
mais do que mecanismos de controle eficientes e reforma política: exige um
amadurecimento coletivo, uma transformação cultural profunda que rejeite o
culto à ignorância e valorize a ética genuína em detrimento de um teatro
político vazio.
Essa
mudança, por sua vez, só é possível através de uma revolução educacional desde
a base, com um ensino fundamental verdadeiramente humanista e cívico.
A
construção de uma sociedade mais íntegra passa, inevitavelmente, pela escola,
pela educação básica e fundamental. Uma educação universal que forme cidadãos
conscientes, capaz de ensinar:
- Os fundamentos da vida em
sociedade, incluindo direitos, deveres e o
valor do bem comum;
- O papel do Estado, seu
funcionamento e a importância das
instituições socialmente democráticas;
- O papel do serviço público,
mostrando que políticos e funcionários são servidores da população, não
privilegiados. O serviço público é um meio para que o Estado cumpra seu
papel constitucional.
- Consciência cívica e cidadã,
para que as novas gerações entendam que a política não é um espetáculo,
mas o alicerce da nação.
A
construção de uma sociedade mais íntegra exige ações simultâneas em três
frentes: institucional, cultural e educacional. Somente através dessa abordagem
integral é possível resgatar o verdadeiro significado da atividade política e
garantir o cumprimento efetivo das obrigações funcionais por parte dos agentes
públicos.
Sem
isso, não é possível reconstruir os valores que sustentam uma sociedade justa e
barrar a escalada de políticos que veem o poder como troféu, não como
responsabilidade.