Mirelle Cristina de Abreu Quintela
A caridade é, de fato,
uma bênção — essência que se manifesta na prática de um ser verdadeiramente
humano e, não apenas, mas também, genuinamente cristão. É mandamento de amor,
gesto de afeto e empatia, capaz de romper as cadeias injustas e desatar as
cordas do jugo.
Contudo, nada há de
humano, cristão ou amoroso em conceber e aceitar como natural que qualquer
parte da humanidade deva viver refém da caridade, contentando-se com ela como
único meio de vida ou alternativa de subsistência.
Não se trata de nobreza
de espírito, mas de justiça e honestidade humana e intelectual. Não se trata de
doar o que é meu, mas de não me apropriar do que é, também, um direito do
outro.
Trata-se de alteridade.
Trata-se da defesa e do estabelecimento de estruturas sociais equitativas e
equânimes, capazes de garantir o direito humano à vida, à saúde, à educação, à
liberdade de escolha, ao trabalho e ao fruto do próprio trabalho — enfim, o
direito a uma vida digna, com qualidade e boas condições de viver. E viver não
é apenas existir; muito menos subsistir.
Defender, glamourizar,
enaltecer e enobrecer a caridade como modo e meio primordial de vida para o
outro é, pura e simplesmente, perpetuar — e, mais que isso, agravar — a
desigualdade estrutural da qual poucos se beneficiam e enriquecem. E isso não é
caridade; isso não é ser caridoso. Isso é negar o verdadeiro significado da
caridade; isso é ser puramente egóico; isso é pura distopia.
A caridade é virtude necessária, mas não substitui a justiça.
De fato e de direito, humano ou divino, a justiça antecede a caridade.